sábado, 2 de setembro de 2023

A Foto

Eu procurei aquela foto em todos os cantos e até mesmo dentro de mim.

Cavei o mais fundo que pude e percebi que não tinha fim.

Eu lembro do tempo e quase lembro da hora exata. Eu lembro da birra, do barulho da água  correndo no rio, da roupa dela e dos meus irmãos. Lembro da indignação e do meu comportamento infantil.

Lembro que era um dia feliz e num instante eu senti como se eu tivesse estragado tudo. 

Não lembro do primeiro pensamento, da motivação, da angustia e da solidão que de uma hora para outra destruiu meu coração. 

Eu não pertencia aquele lugar, não devia estar naquela foto e me joguei pra fora dela.

Sai de um mundo de cores e sorrisos para um mundo cheio de ausências e rejeição.

Quando fecho os meus olhos consigo enxergar o rosto e a inocência de quem não tinha ideia do vazio que se apossou de mim. E ainda hoje me pergunto: Por quê me senti assim?

Uma única flor com espinhos no jardim, de cor diferente, de perfume quase ausente. Uma flor que sente que não é daquele jardim. 

Em algum momento fizeram ela acreditar que deveria levantar suas raízes, recolher suas folhas e caules, não brotar, não amar e ela ficou com aquilo na cabeça. Não sabia nada do mundo, nada sobre jardins e nada sobre o amor, então sem ter outra escolha, consentiu e aquela incapacidade virou sua realidade e nunca mais acreditou e nunca mais se viu, e nunca mais foi flor.

Não se sentia flor, nem capaz de dar amor, um organismo solto no mundo sem propósito e sem valor.  

E isolada, se machucava, sem ninguém no seu caminho, abraçava seus espinhos, na esperança de acabar com a dor e novamente lembrava da foto e tentava se enxergar nela.

Olhava para sol e sentia incapaz de brilhar, olhava para a chuva e se sentia incapaz de molhar, e continuava a procurar algo que satisfizesse sua vontade de doar. Doar um pouco de si, doar e amar. Olhava para os pássaros, mas não sabia voar, olhava para o mar, mas não sabia nadar e nada, nada do que sentia a fazia enxergar que naquela foto, uma foto de amor, ela podia estar.

E ficou com aquele borrão na sua história. Um amor que não suportou. Uma flor que não brotou. Uma foto que o tempo apagou.


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