Já chovia demais para ser apenas algo comum.
A reclamação virou indiferença, o som das gotas no teto, nas
folhas, na cidade tornou-se o padrão.
Não via mais se quiser uma borboleta voando, mas o coaxar
dos sapos estavam sempre ecoando.
Raios e trovões iluminavam constantemente onde antes
assistamos ao pôr-do-sol.
Já não conseguia distinguir um rosto choroso de um rosto
ordinário.
A alimentação mudou, o riso, as piadas, tudo o que éramos
foi se transformando, uma parte a chuva foi levando e agora a gente começa a
esquecer de como era antes e os fatos já não são contados da mesma maneira e a história
vai se tornando apenas um fascículo da realidade.
Ao acordar na décima segunda lunação, um impacto forte
apertou meu peito, era como se a verdade, por mais intangível que fosse,
pudesse se materializar, ainda que de maneira viscosa ela mostrou um pouco do
que era, e não era sempre bela.
Tudo ao meu redor tinha mudado e alguma forma de fim se
aproximava e não era rápida e indolor como imaginávamos, era lenta e
angustiava, se desdobrava, como o veneno que trafega da origem ao destino
certo.
Não foram só os rios que encheram, nem os carros que
deslizaram, nem os postes e nem as árvores que caíram.
Na dança das nuvens entre as gotas do tempo, o fim era
sempre o mesmo, secos ou molhados, todos estavam fadados a sentir como a chuva
podia levar o que ela queria e dessa vez, éramos nós.