quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Um dia

Queria só por um dia
Não ser falado
Não ser tocado
Nem compartilhado.

Não queria ser beijado
Nem amado
Nem conhecido
Muito menos fotografado.

Um descanso para a minha imagem.

Não queria aplauso, nem descaso, nem abraço.

Um dia pra ser só meu
Um dia off line
Uma fuga
Uma distração
Uma meditação.

Um dia pra não ser cobrado
Pra não usar sapato
Nem ser assaltado.

Um dia sem ver o sinal vermelho
Sem ter que apertar o freio
Por a vida no descanso. Ser o meio.

Não quero ser perguntado
Nem respondido
Um dia sem intervir ou ser ferido.

Um dia.

No outro dia
pode voltar tudo ao normal, ou anormal, que eu aguento recomeçar a rotina.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O Tempo parou


A gente queria parar o tempo e ele parou.

Não tenho muitas fotos da minha infância e nem vídeos com meus primeiros passos, mas na virada do milênio os recursos para essa finalidade se expandiram e não pararam mais.
Hoje, uma criança de 10 anos não encontrará muita dificuldade ou quase nenhuma em ver sua biografia completa e em movimento se quiser. Estamos registrados, fotografados e gravados de diversas maneiras e em diversos dispositivos. Estamos esquartejados na rede. 
Logo a gente que nunca se sentiu completamente inteiro, agora ainda mais divididos.
Paramos o tempo com a nossa sede de registrar, viver o passado, relembrar as conquistas e tentar manter seguro o nosso presente. 

Áudios com nossos pensamentos, nossas fofocas e julgamentos estão disponíveis para qualquer um ouvir, e se já não bastasse, adicionamos aos nossos hábitos a mania de reouvir nossa própria voz só para ter a certeza de que a gente disse o que queria dizer, parando o tempo estamos perdendo mais alguns minutos.

Mais pessoas podem nos ouvir e ver e ainda assim nos sentimos incompreendidos, soltos no mundo, sem conexão. Na contramão, nossa possibilidade de nos conectar com os mortos artificialmente aumentou. Num futuro não muito distante ou talvez hoje mesmo já esteja acontecendo, em algum lugar, uma mãe grudada ao celular, escuta os áudios do filho, assisti aos vídeos dele publicado no Youtube, lendo seu blog ou até mesmo passeando por suas fotos no Instagram, sem contar as “benditas” recordações do Facebook que darão um prolongamento ao seu pesar, correrá o risco de adicionar mais tristeza e dificuldade em seguir em frente. Não podemos seguir em frente e parar o tempo, um anula o outro.

Paramos o tempo, mas ainda não sei se valeu tanto a pena. Perdemos nossa privacidade, estamos expostos não só aos olhares curiosos em nossas redes sociais, mas também a corporações que coletam nossas informações, analisando padrões comportamentais e não temos ideias de como e quando poderão ser usadas, ao nosso favor ou contra?
Que não tarde para que a educação acolha o novo sistema e possa nos ajudar a lidar com essa era de informações e registros. 

Num mundo de teclas e telas é preciso compreender que a História é necessária para nos ajudar a viver melhor, mas a nossa capacidade de criação é infinita e focar no presente é a melhor maneira de registrar nossa presença nesse mundo. 

domingo, 1 de outubro de 2017

Conexão


De baixo de uma árvore tudo me parece sagrado.

Vejo as montanhas como ondas do mar, uma sobrepondo a outra num contraste de verdes tão iguais e tão distintos. Olho as nuvens espalhando-se numa pintura divina. O sol escarlate incendeia meus olhos. Sinto como se todo o ar (amor) do mundo atravessasse o meu pulmão.

As raízes sobem por meus pés, e minha pele absorve toda a luz que pode. Emudeço meus pensamentos por breves segundos. Sinto uma ligeira brisa filtrando meus órgãos vitais.

Como um banho gelado que acorda cada célula do corpo.

Meu coração pulsa como numa harmônica sinfonia, agudos e graves revelando uma música, nota a nota, criando algo totalmente inovador. Liberto de qualquer expectativa, vivendo, presenciando cada momento com a intensidade do brotar de uma vida. Me observo na gota de um orvalho e o brilho dessa gota reascende em mim a essência natural.


Inclinando-me para a luz, cresço, floresço e aceito, ciclo após ciclo permaneço a mergulhar no recomeço sem fim. Um galho surgi do centro do meu peito e com ele folhas e mais folhas cobrem todo o meu corpo. Tão integrado como jamais estive, retorno ao princípio da consciência.
No nível mais elevado de cura e realização por um instante me torno tudo o que verdadeiramente sou, nada.

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