quinta-feira, 2 de abril de 2015

Dente-de-leão




Era uma visão disfarçada do mundo. Meu mundo.
Sempre soube que eu não cabia aqui. E não cabia mesmo.
Eu me espremia entre as palavras que que saiam de mim e voavam.
Sofria quando era obrigado a descer as minhas próprias escadas e a subir os meus próprios desafios. Era insuportável coexistir dentro de mim em múltiplas e infinitas latentes.
A cada passo dado, pensado ou apressado, eu me desfazia diante de possibilidades descartáveis.
E me derretia em minha vulnerabilidade porque pra mim tudo mudava o tempo todo.
Era insustentável.
Não havia como viver assim.
Era o fim e o recomeço a todo momento, era tanto tormento que um dia  a vida, simplesmente, foi soprada como um dente-de-leão.






quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A Resposta

Normalmente quando eu escrevo faço o possível para extrair do consciente as tristezas, amarguras e duvidas mais profundas da mente, sejam elas minhas ou alheias.

Muitos são aqueles que questionam o fato da grande maioria daquilo que é abordado nos meus textos serem de uma melancolia quase rastejante.

Desafiam-me a escrever sobre coisas mais positivas e encorajadoras. Mas o que eu tenho percebido ao logo desses anos é que a humanidade precisa mesmo que lhe expliquem a sua dor, desenhem sua frustração, nós estamos tão hipnotizados com a luta pela nossa sobrevivência, com a guerra diária no supermercado, com a lista de material escolar, a manutenção do carro, com as nossas inquietações e insuficiências amorosas que o brilho do sol nos passa despercebido frente ao seu calor insuportável, que a chuva é sempre uma desgraça, num mundo em que a gente já não sabe mais diferenciar o artificial do natural é extremante importante que saibamos usufruir da nossa inconstância e tristeza, para que elas juntas possam produzir a arte complexa que é viver.

Quando sentamos num divã tudo o que queremos é falar de nossas mazelas e aflições. Estamos desesperados por uma resposta, uma rota.

Uma solução.

E nosso terapeuta simplesmente nos diz que a resposta que procuramos está dentro de nós, mas aonde exatamente, pergunto aflito, como quem procura um atalho mágico.

Na verdade, eu não sei o que seria de nós sem toda essa lama, esse desgaste, sem todo esse medo do fim. A gente ama a luta, a dor, a punição.


Essas misturas de emoções quentes e geladas, tão desconectadas e ao mesmo tempo tão homogêneas proporcionam ao nosso corpo a dádiva de transcender e nos permite transbordar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A porta

Todo mundo tem o direito de ir embora, de deixar para trás aquilo que não o convém, mas nós pedimos, por favor, feche a porta devagar, com aquela mesma educação e leveza com a qual entrou.

Não chute a porta como se nunca mais fosse voltar, como se aquele tempo que passamos lá dentro não fosse importante para sermos o que somos agora.

Não venha com esse papo de não olhar para trás, para não virar estátua de sal. É preciso estar atento ao passado, ali estão lágrimas enxugadas, sorrisos estrelados e muitos momentos que construíram um novo “Nós” e que deveriam ser respeitados.

Não jogue essa chave fora, mas pode ir embora, somos livres, embora muitos prefiram viver aprisionados a um destino solitário.

No momento em que a gente conhece alguém, a gente até demora, mas dia ou menos dia a gente se entrega e se desarma e faz do nosso coração uma casinha pra esse novo ser entrar, E respeita a bagunça que nos faz, os pés no sofá, a roupa molhada pendurada no banheiro, o copo sujo na pia, a gente aceita até sua partida, mas não bata a porta na nossa cara.  


Um dia lá no futuro, quem pode saber? O passado pode fazer uma falta tão grande que tudo o que mais vai querer é um dia poder entrar novamente e talvez não exista mais uma maçaneta, uma fechadura, apenas uma corrente entrelaçada, e você estará sem chaves e sem esperança.

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