sábado, 24 de setembro de 2016

Metamorfose

Quando eu era uma criança era fácil me distrair com a natureza. Olhava os detalhes das folhas e surtava com o designer das criaturas, principalmente os insetos. Muitas vezes na minha inocente ignorância tentei aprisionar alguns dos insetos que gostava em potes de maionese com furos na tampa. Colocava um pouco de terra, algumas folhas e o meu habitat estava completo. Eu saia à caça e encontrava muito bichinhos esquisitos.

 Fui privilegiado por nascer num local rural e cheio de diversidade. Um vale enfeitado pela mata atlântica. Abelhas, joaninhas, besouros e uns grilos eram os que mais eu encontrava e capturava com facilidade. Morando perto do rio uma grama rasteira cobria a extensão do meu quintal. Uma pedra suntuosa que hoje não existe, era o único local alto, aonde eu podia finalmente analisar minhas conquistas. Naquela pedra eu era o rei da beira do rio.

Foi também nessa mesma época que eu aprendi uma das mais valiosas lições da minha vida.

Um dia caminhando um pouco mais distante do meu reino, mas ainda no mesmo bairro, próximo de uma cachoeira encontrei um casulo de borboleta.  Fiquei eufórico com aquela pequena capsula de mistério. Quebrei o galho onde aquele serzinho estava agarrado e corri para casa. Preparei meu pote para receber minha mais nova beleza aprisionada. Esperei. Esperei. Parecia um século, tamanha era minha ansiedade. 

Um dia meu pai me acordou e me disse que minha borboleta me aguardava. Quando grudei meus olhos arregalados no vidro, lá estava a rainha do meu reino. Nunca tive a intenção de mantê-la ali. Suas asas faziam um movimento leve, o pote era apertado de mais para que ela pudesse enxugar sua liberdade.

Desenrosquei a tampa furada e lentamente a peguei na ponta dos meus dedos.
Coloquei numa árvore, mas ela não ameaçou voar. Sua asa esquerda estava totalmente enrugada. Fiquei tenso. Tentei ajudar em seu primeiro voo, mas ela cambaleava.
Numa distração minha um pássaro rasgou o céu e a comeu.
Não era minha aquela rainha, não era só minha. Sua jornada transitou entre os meus dedos e o bico de um pássaro.
Eu jamais deveria querer impedir o fluxo natural da vida e nem me sentir culpado.
Muitas vezes estamos acolhidos em nosso casulo e não sabemos como e quando sairemos de lá. Teremos espaço suficiente para secar nossas asas? Viveremos nosso ciclo natural ou seremos comidos por um passarinho?

A borboleta não teve como evitar que fatores externos a tirassem do seu breve fim, mas nós que somos seres com inteligência emocional e racional podemos e devemos nos conduzir e nos retirar de nossos casulos existências antes que nosso voo seja interrompido.

Eu ficava apaixonado com o fato muito louco de a borboleta já ter sido uma lagarta. Eu lia isso no livro de ciências do primário e ela passou a ser meu inseto favorito. Mudar já era meu esporte desde então ou muito antes. O que eu nunca havia pensado de fato é que mudanças, por mais que sejam necessárias, normalmente chegam acompanhadas de um rompimento do estágio anterior o qual já estávamos tão acostumados que forçam a resistência natural ao novo. Eu não sei se aquela lagarta teve a chance de escolher ficar parada e ser para sempre uma lagarta.
Há um consenso sobre isso, avançar nos levará aonde jamais estivemos e entender que precisamos ir é urgente. O pote de ouro, o fim do arco-íris, o ponto B estará sempre a nossa espera.






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