Ela chegou bem pertinho de mim e
disse:
- Vai ficar tudo bem!
Eu arrepiei os cabelinhos da
nuca. A voz dela tinha esse poder sobre mim.
Sempre que ela chegava era como
se tudo ficasse mais iluminado. Ela não parava de sorrir. Desde os tempos da
escola, as meninas viviam implicando, diziam que ninguém podia ser tão feliz
assim, elas se dividiam entre as que achavam que ela tinha ficado louca e as
que a agrediam dizendo que ela não passava de uma sonsa. Mas ela não levava a
mal, até que nos últimos anos do ensino médio a turma inteira passou a se
gostar e foi uma baita festa de formatura, abraços e promessas de nunca deixar
de se falar. Ela nunca se prendeu a isso, sempre dizia que o que valia era o
momento e que nem mesmo as promessas quebradas enfraqueceriam o sentimento
daqueles instantes. Era sempre uma resposta na ponta da língua.
A primeira vez que a gente se
beijou foi debaixo da rampa da escola que dava acesso ao refeitório. Foi do
nada, num minuto a gente estava correndo e no outro ela me beijou.
Nossa amizade era tão forte que
mesmo todo mundo colocando pilha, eu nunca flertava com ela, aquele jeito
inocente me fazia pensar que era melhor manter uma amizade sincera do que um
romance que sempre acaba mal. Mas no segundo em que ela me beijou eu tive a
certeza de que aquele medo não era de verdade. Ela era a mulher da minha vida e
esse sentimento era real. Eu era um garoto de dezessete anos levando flores na
formatura e pedindo a mão dela em casamento. Ela disse que sim e senti que eu poderia vencer tudo com ela.
Passaram-se quase sete anos antes
da gente se casar para valer, juntamos cada centavo, ficando semanas sem sair
de casa, todo o foco era ter a nossa casa e um casamento lindo. Quando revejo
as fotos do casamento, ainda consigo sentir o orgulho que ficamos um do outro
nessa fase da nossa vida. Nós chegávamos ao limite do nervosismo com os
preparativos, mas no final de cada etapa saíamos mais fortes e maduros. Éramos
aquele casal que todo mundo duvida que exista, mas a gente existe.
Ela trabalhava como manicure e
babá e ainda ia para o cursinho e eu ralando na fábrica feito um louco até me
tornar encarregado do turno da noite. Chegamos a ficar uns dias sem se viver
morando na mesma casa. Quando um chegava o outro já estava dormindo.
Meus pais deixaram a gente morar
juntos num quarto e sala que o meu avô construiu antes de morrer, era para ser
um casarão, mas no meio da construção teve um infarto fulminante e ninguém mais quis
tocar a obra, minha mãe relutava em ceder, mas no fim nos deixou continuar o
que o pai dela começou. Alguns anos depois a casa estava tão bonita quanto meu
avô sonhou.
Nunca tivemos filhos. O tempo foi
passando e um dia a gente parou de falar nisso. Não era algo para se
entristecer. Não era para gente e lidamos com isso da melhor maneira. Ganhamos
uma gatinha e cuidávamos dela como uma filha.
Foram quarenta e nove anos
juntos. E no último dia da minha vida, as últimas palavras que eu ouvi foram
ela dizendo um amoroso “Vai ficar tudo bem”.
Fechei meus olhos com o amor e a paz
da melhor maneira que um homem pode deixar essa vida, ou seja, com a certeza de
que tive a melhor vida que poderia viver. O universo inteiro concentrado
naquele beijo na nuca que Ela me deu.