Ajeitou-se no banco de areia que estava sentada e
esforçou-se mais uma vez para ter certeza de que não era uma miragem. Não era.
Depois de uma infinita caminhada, finalmente, conseguiu
encontrar algo verde. Durante dias revezava entre o amarelo do sol e o escuro
da noite, mas agora poderia enfim abraçar algo verde. Na verdade, não poderia,
era um cacto.
Quando se aproximou o suficiente de sua provável miragem,
ajoelhou-se e praguejou a vida mais uma vez.
- Que sorte a minha! Ironizou.
- Uma sede dos infernos, um calor de matar, tudo que eu
queria era uma sombra para descansar e uma água fresca para beber e o que
encontro é uma planta feia e espinhosa.
Encolheu-se para se encaixar na pouca sombra que fazia e
começou a tentar se lembrar de como chegou ali. Não conseguia.
De repente se viu caminhando vagarosamente num deserto sem
fim.
Ela sabia que conhecia alguém, mas não se lembrava aonde os
deixou.
Algo dentro dela incomodava, sabia que precisava se lembrar
o quanto antes ou morreria ainda naquela noite. A fome ruía sua barriga e sua
garganta estalava de tão seca.
Levantou num pinote e deu um soco na planta feia. Sua mão
ficou coberta de espinhos e sangue, mas também um pouco molhada.
Arregalou os olhos para o brilho do suculento interior
daquela planta. Sugou o máximo que pode. Uma faísca de sanidade rodopiou em sua
mente e viu um rosto que não tinha nome.
Era um sorriso mais brilhante que o próprio sol, mas não
tinha nome. Não se encaixava na sua vida, na sua história.
Bebeu mais uma pouco da planta, quebrou alguns pedaços para
conseguir sugar melhor.
Conforme saciava sua sede, outros rostos começaram a
aparecer e no meio deles um rosto tinha nome, era uma mulher, sua mãe. Ela não
sorria, estava triste e chorando.
Fechou os olhos com mais força como um míope que tenta ver sem óculos e uma cena começou a parecer.
Fechou os olhos com mais força como um míope que tenta ver sem óculos e uma cena começou a parecer.
Viu uma briga terrível entre elas, saiu de casa amarrada por
homens de branco ensanguentados, ouviu gritos, seus próprios gritos. Olhou seu
corpo deitado na maca e caminhou até a casa para ver o que tinha acontecido.
Encontrou sua mãe coberta com um saco preto, uma faca caída na cozinha e não
teve mais dúvidas. Tudo veio a sua mente como um soco na boca do estômago. Ela
havia assassinado sua própria mãe.
Ela não estava num deserto físico, era um deserto mental, um
refúgio que encontrou para cuidar de sua própria dor. Internada há mais de dez
anos numa clínica psiquiátrica ainda não havia sido curada. Resolveu esquecer
tudo e dia após dia fechava os olhos e se imaginava num deserto sem fim, mas
seus maus pensamentos ainda estavam sedentos.
Pela primeira vez avistava uma planta em seu deserto. Olhou
aquele cacto novamente e viu o desabrochar de uma linda flor em seu topo. Sabia
que ainda estava longe de sair da clínica, mas aquela flor fez ressurgir uma
chama de esperança que há mais de dez anos havia se apagado.
Algo em sua mente podia mudar e quando isso finalmente
acontecesse seu mundo exterior finalmente encontraria a paz.
Ela faleceu naquela mesma noite. Durante todo aquele tempo
ela contava a si mesma que não havia feito nada e que a culpa era de sua triste
e infeliz infância. Nunca havia se responsabilizado por seus atos. No começo se
negava a aceitar a tragédia que tinha criado e quando assumiu começou a colocar
a culpa nas circunstâncias e esse círculo vicioso foi crescendo sem parar até
que percebeu num devaneio profundo como num último suspiro misericordioso de
lucidez que apesar de todas as adversidades do deserto aquele cacto encontrou
espaço para crescer e florir.