domingo, 10 de setembro de 2023

Imago

 Ele estava sentindo muita dor.

 Ele estava se sentindo só e era de dar dó ver aqueles olhos brilhantes tão marejados.

 Passos para lugar nenhum. Um voo sem destino. Uma trilha sem caminho. De repente tudo escureceu.

 Acordou mais um dia e o sol não estava lá. Percebeu muito tempo depois que não estava a respirar.

 A boca falava, mas a verdade não saia, e ele fingia quase o tempo todo que tudo estava bem.

E mesmo sem energia, corria. De braçadas no nada, sentia, que mesmo na agonia precisava continuar.

Ele só sobreviveu porque aquilo que comeu em sua fase larval foi fundamental.

Na crisalida da sua noite interior se alimentou do amor que em outrora cultivou.

Secando suas asas, que durante o inverno ficaram obsoletas, finalmente respirou e voltou a ser o que sempre fora, borboleta. 

domingo, 3 de setembro de 2023

Quando vi você partir

Eu nasci em 1987.

Meu pai se chama Aldex e minha mãe, Barbara.

Meu pai colocou o seu nome em mim.

Ainda com poucos meses, os meus pais se separaram.

Meu pai que já tinha alguns problemas com a bebida ficou comigo.

Ninguém acreditava que um cara sozinho daria conta dessa criança.

Mas uma mulher apareceu em nossas vidas e o nome dela é Marilene.

Ela me criou dos 10 meses até eu já ter os meus 16 anos de idade.

Ela partiu de uma doença no cérebro quando tinha por volta dos 43 anos, mas o seu amor ficou sempre comigo e este amor despertou em mim a necessidade de escrever.

Abaixo eu leio o primeiro poema que escrevi para tentar lidar com a dor de não tê-la aqui em meus braços.

São fragmentos do texto,  pois o original, perdi, naquela época eu só escrevia em papel e jamais imaginei que 20 anos depois, a escrita como forma de cura, ainda seria parte de quem eu sou.


Em algum momento de 2003.

Quando vi você partir

Quando vi você partir

Meus pés caminharam descalços sob espinhos

Não pude ver além do horizonte

Mas pude ver o seu rosto no infinito

E como ele era bonito quando vi você partir

Quando vi você partir

O tempo estava nublado

Seu rosto estava gelado

Eram lágrimas de chuva que começavam a cair

Quando vi você partir 

Não queria entender

Que é melhor ver você partir

Do que ver você sofrer.



sábado, 2 de setembro de 2023

A Foto

Eu procurei aquela foto em todos os cantos e até mesmo dentro de mim.

Cavei o mais fundo que pude e percebi que não tinha fim.

Eu lembro do tempo e quase lembro da hora exata. Eu lembro da birra, do barulho da água  correndo no rio, da roupa dela e dos meus irmãos. Lembro da indignação e do meu comportamento infantil.

Lembro que era um dia feliz e num instante eu senti como se eu tivesse estragado tudo. 

Não lembro do primeiro pensamento, da motivação, da angustia e da solidão que de uma hora para outra destruiu meu coração. 

Eu não pertencia aquele lugar, não devia estar naquela foto e me joguei pra fora dela.

Sai de um mundo de cores e sorrisos para um mundo cheio de ausências e rejeição.

Quando fecho os meus olhos consigo enxergar o rosto e a inocência de quem não tinha ideia do vazio que se apossou de mim. E ainda hoje me pergunto: Por quê me senti assim?

Uma única flor com espinhos no jardim, de cor diferente, de perfume quase ausente. Uma flor que sente que não é daquele jardim. 

Em algum momento fizeram ela acreditar que deveria levantar suas raízes, recolher suas folhas e caules, não brotar, não amar e ela ficou com aquilo na cabeça. Não sabia nada do mundo, nada sobre jardins e nada sobre o amor, então sem ter outra escolha, consentiu e aquela incapacidade virou sua realidade e nunca mais acreditou e nunca mais se viu, e nunca mais foi flor.

Não se sentia flor, nem capaz de dar amor, um organismo solto no mundo sem propósito e sem valor.  

E isolada, se machucava, sem ninguém no seu caminho, abraçava seus espinhos, na esperança de acabar com a dor e novamente lembrava da foto e tentava se enxergar nela.

Olhava para sol e sentia incapaz de brilhar, olhava para a chuva e se sentia incapaz de molhar, e continuava a procurar algo que satisfizesse sua vontade de doar. Doar um pouco de si, doar e amar. Olhava para os pássaros, mas não sabia voar, olhava para o mar, mas não sabia nadar e nada, nada do que sentia a fazia enxergar que naquela foto, uma foto de amor, ela podia estar.

E ficou com aquele borrão na sua história. Um amor que não suportou. Uma flor que não brotou. Uma foto que o tempo apagou.


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