sábado, 2 de maio de 2020

Segue o Baile




Eu sabia que era melhor ter ficado em casa. 
Ninguém chega num baile de fantasia vestido de homem nu. 
Quem vai entender esse protesto maluco que eu inventei de fazer depois de ter um lido um texto aleatório sobre as máscaras da sociedade. 
Quem vai deixar de me julgar, se eu mesmo estou julgando a fantasia alheia?
Julgo aquela menina sentada no bar, vestida de ovelha, representando a pura inocência dilacerada pela cultura religiosa, dois goles e uma puta cara feia, mas beber é tão legal, o sorriso, a coragem, uma injeção de álcool na chama quase apagada.
O lobo já está na segunda rodada, sabe se lá do quê, o que eu sei é que este pode ser um dos únicos momentos em que ele esqueceu o ego e entrou na pista de dança, esqueceu os olhares, nem percebe que eu mal cheguei e já estou julgando.
Uma balançadinha no corpo e outra no copo para fingir que estou no clima e passar sem ser notado, assim como aquele cara vestido de palhaço, sentado no último degrau da escada, mandando mensagem sem parar, sem saber, que na verdade ninguém vai ler. Ler verdade.
A dona da festa e sua fantasia de mulher decotada, costurada, remendada e borrada nos chama para o brinde, se atropela em suas palavras vazias para uma plateia que mal conhece e finaliza no automático, como se alguém tivesse espirrado. Saúde!
O garçom erótico inclina as mãos na direção dela, sorrindo, encenando a famosa descida da escada apoiada pelas mãos de um herói. Ele gosta desse papel e sabe que foi convidado por isso, pela beleza, pelo símbolo que representa, nunca foi pela prestatividade, poucos se importam com isso durante muito tempo porque sabem que poucos são assim durante muito tempo.
O lugar vai se enchendo enquanto vou me esvaziando, esbarrando nuns capetinhas, nuns anjinhos, alguns heróis, alguns bandidos e dezenas de profissões.
Talvez eu devesse ter bebido hoje. Talvez eu devesse ter seguido o conselho da minha mãe e vestido a roupa de juiz do meu pai. 
Seja um garoto normal!
Entrei naquele banheiro imundo, poluído visualmente pela decoração, escondendo toda e qualquer imperfeição das paredes, mas eu reparei, aqueles objetos orquestrados, aquela sensação de isolamento, o reflexo no espelho. 
Foi quando me olhei e vi ali diante de mim o que durante toda a festa eu tentei esconder, mesmo nu, me achando o dono da razão, os olhos estavam tristes e uma máscara na mão. Coloquei-a no rosto molhado.
Quando eu voltei, tudo parecia diferente, de novo eu me sentia gente, puxei a garota ovelha para a pista de dança e percebi que o meu maior protesto era ser feliz.
Dançamos, bebemos, rimos e voltamos para nossas casas, com a cara de metrô lotado e com o gosto amargo do fracasso, mas uma vez tentei ser nu e voltei fantasiado.

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