quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Banho de Chuva



Caminhou até a chuva, caminhou lentamente como quem entra num palco para dizer poucas palavras e chegando lá gritou tudo o que sua alma sentia. E eu parei para assistir mesmo sabendo que não podia. Uma consciência muda e ao mesmo tempo gritante. Ela, assim como sua casa, era rodeada de mistério. Eu como sempre, curioso e medroso, oscilei na decisão de ficar mais um pouquinho e ver no que iria dar.


Ela, assim de repente, atravessou sua porta e se apossou da chuva e fundiu-se com ela e reteve consigo cada gota que caia ao seu encontro. Era o mundo inteiro no seu quintal. Ficou rapidamente parcialmente despida, enquanto seus cabelos tornavam-se ainda mais lindos e negros à medida que ficavam ainda mais molhados. Ela dançava como se houvesse uma música vibrante e jogou seus joelhos no chão com muita força, mas não sentiu dor, eu vi isso no seu rosto. Acariciou seu corpo como quem procurava por prazer, ela estava totalmente em transe, seus olhos nada fitavam.




Trêmulo, mesmo segurando o guarda-chuva eu já estava completamente ensopado, mas isso não me preocupou. A chuva forte deu lugar a uma fina chuva gelada.


Pensei em tirá-la dali, mas eu jamais seria capaz de uma atitude tão corajosa naquela época. Queria evitar um pouco aquela humilhação, e eu tive medo que alguém tentasse agredi-la, ainda pior, tentasse faze-la parar, ela não merecia e eu também não. Indiretamente era ela que me humilhava esfregando na minha cara toda a sua coragem e independência. Pensei em dançar junto com ela e me juntar àquela loucura, dentro de mim era o que mais queria.


Nem sei por quanto tempo eu a observei. Tive vergonha do desejo que senti e também senti medo do que eu sentia. Mordia meus lábios de desejo e ansiedade.


Toda a vizinhança se aproximava aos poucos, e eu ali escondido entre a esquina e o portão dela observava paralelamente ora os vizinhos, ora a deusa da chuva.


As mulheres acompanhadas que se aproximavam batiam em seus homens que não conseguiam controlar seus olhos sedentos daquela mulher, as mulheres então tentavam em vão tampar os olhos daqueles lobos famintos. Eu podia ver no rosto delas ruborizado de moral, algumas aos cochichos e outras em seus gritos e ofensas declaradas, um pouquinho de inveja daquela mulher que parecia ter fugido da prisão em que nós, seres humanos, nos encontrávamos.


Fui passando, tinha que ir embora por mais que eu não quisesse, e eu comecei a vê-la em quadros, enquanto passava pelas estacas de madeira que formavam o cercado em volta da casa dela. Muita gente começou a se aproximar do portão, mas do que nunca era hora de ir embora. Nunca soube o desfecho.


Cheguei a minha casa e o comentário era absoluto, a notícia chegou antes de mim, não paravam de falar da vizinha devassa, apenas eu fiquei em silêncio. Durante o jantar parei a colher de sopa em frente ao meu rosto como se tivesse paralisado, lembrei-me da cena, mas fui interrompido por minha mãe que me deu uma tapinha nas costas perguntando se estava tudo bem. Respondi assustado, quase engasgando, que sim e voltei a tomar a sopa quente, não tão quente quanto ela. A chuva passou.


Fui pra cama após o jantar e fechei os olhos tentando enxergá-la mais uma vez. Eu a vi apenas por alguns minutos e já estava completamente apaixonado. Nunca a beijei, nem a toquei, eu tinha apenas quinze anos e aquela tinha sido a minha primeira paixão, paixão por aquele banho de chuva.


Sofria como um louco. Ninguém nunca soube da minha tristeza até esse momento. Passava pelo portão dela todos os dias e ficava torcendo para que chovesse novamente, mas para aumentar minha angústia, foi um dos outonos mais secos de que eu me lembro.


Ela nunca mais saiu de casa e a vizinhança nada comentava. Eu tinha medo de perguntar. Meses depois eu ouvi alguns homens conversando na frente do bar e descobri que ela havia se mudado no dia seguinte ao temporal e que toda a minha expectativa tinha sido em vão. Era como se uma faca tivesse atravessassado meu peito, agora vazio. Cheguei a minha casa chorando, mas não expliquei a ninguém meus motivos. Dei uma desculpa qualquer.




Desde então, sempre que chove cai uma gotinha dela em mim e eu abro a boca morrendo de sede, morrendo de saudades da minha primeira paixão.
         
               

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