segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Número da sorte

Olho para o relógio, são quinze e quinze. Agora, dezesseis.

O tempo me chama, e o nosso caso de amor parece estar sempre perto de acabar.

Às dezessete, minhas pernas balançam: é o poder de se transportar, de galho em galho, até quebrar.

Às dezoito, reviro a bagunça dentro de mim. Misturo as folhas, os frutos, as flores e as sementes, mas nunca encontro as raízes. Profundas e na escuridão, elas não permitem saber a razão de ventos tão fortes.

Dezenove.

Já próximo das vinte, me arrependo de ter contado o tempo, e, às vinte e uma, a dor irreal se torna material.

Às vinte e duas, vejo que perdi alguns números pelo caminho, mesmo segurando com as duas mãos.

Vinte e três é meu número da sorte, mas ele passou rápido demais.

Pedi que me acompanhassem, mas o momento era diferente, e a velocidade também. Para eles parecia um barco; para mim, parecia um trem.

Vinte e quatro, onde o começo e o fim se confundem novamente. Entre piscadas e passos, vejo o seu vestígio e o que fez comigo.

Olho para o relógio e percebo que nem vi o vinte e cinco passar. Nem deu tempo de te chamar.

Vinte e seis, e os segundos, tão frágeis, continuam o movimento. Continuam soprados pelo vento. Continuam sendo quem ele sempre foi: o tempo.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Chuva Eterna

 

Já chovia demais para ser apenas algo comum.

A reclamação virou indiferença, o som das gotas no teto, nas folhas, na cidade tornou-se o padrão.

Não via mais se quiser uma borboleta voando, mas o coaxar dos sapos estavam sempre ecoando.

Raios e trovões iluminavam constantemente onde antes assistamos ao pôr-do-sol.

Já não conseguia distinguir um rosto choroso de um rosto ordinário.

A alimentação mudou, o riso, as piadas, tudo o que éramos foi se transformando, uma parte a chuva foi levando e agora a gente começa a esquecer de como era antes e os fatos já não são contados da mesma maneira e a história vai se tornando apenas um fascículo da realidade.

Ao acordar na décima segunda lunação, um impacto forte apertou meu peito, era como se a verdade, por mais intangível que fosse, pudesse se materializar, ainda que de maneira viscosa ela mostrou um pouco do que era, e não era sempre bela.

Tudo ao meu redor tinha mudado e alguma forma de fim se aproximava e não era rápida e indolor como imaginávamos, era lenta e angustiava, se desdobrava, como o veneno que trafega da origem ao destino certo.

Não foram só os rios que encheram, nem os carros que deslizaram, nem os postes e nem as árvores que caíram.

Na dança das nuvens entre as gotas do tempo, o fim era sempre o mesmo, secos ou molhados, todos estavam fadados a sentir como a chuva podia levar o que ela queria e dessa vez, éramos nós.

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